Inteligência artificial usada como advogado derrota 100 profissionais reais?

A tecmundo publicou essa semana uma notícia de que um software de inteligência artificial teria derrotado (“dado um baile”, expressão utilizada na notícia) em 100 advogados. Será?

A notícia me chamou a atenção, naturalmente, então resolvi fazer uma pesquisa (no velho e bom Google) para entender mais sobre essa “vitória” da Inteligência Artificial. E, voilá, descobri que a coisa não é tão evidente assim. Vejamos.

A inteligência Artificial foi desenvolvida por uma empresa chamada CaseCruncher, ou na tradução literal Triturador de Casos. A empresa já traz em seu site, logo de início uma pergunta retórica, mas que daria um post inteiro sobre ela:

 We are on a mission to find truth in law. We want to understand if there is an objective dimension to legal knowledge. If there is, we want to build general legal intelligence that can predict any case. If there isn’t, can there be justice?

Ou seja, dizem que estão em busca da verdade na lei (páginas e páginas da filosofia jurídica jogadas no nada), querendo descobrir se há alguma dimensão objetiva no conhecimento legal (opa, aqui pode ter coisa boa). Se existir, querem desenvolver algo que consiga prever o resultado de uma demanda judicial. E aí vem a pergunta retórica: e se não existir, pode existir justiça?

Caro Triturador, o conceito de justiça é uma construção histórica, algo que desde a Grécia Antiga se discute e até hoje tem-se mais fácil a definição da injustiça do que a de justiça – aproveito para mandar um abraço para Aristóteles, Platão, Sócrates e tantos outros. Se não há uma dimensão objetiva na lei ou se o seu software não a conseguir identificar, não põe em questão tudo que até hoje se entregou pelos operadores do direito à sociedade. A previsibilidade da solução de conflito é interessante sim, mas longe de ter que ser objetiva. Muito pelo contrário!

Enfim! Seguindo adiante, encontramos o relato dessa disputa realizada entre I.A. e advogados e identificamos as limitações dela. Aparentemente, a questão envolveu apenas a identificação de falsificações em PPI (Payment protection insurance – uma espécie de apólice de seguro) e qual seria o resultado da análise do FOS (Financial Ombudsman Service – um orgão americano competente para solução de conflitosentre empresas financeiras e seus clientes).

Aliás, a própria empresa reconhece que não dá para extrair dos números da disputa que essa Inteligência Artificial é capaz de ser melhor que os advogados:

Evaluating these results is tricky. These results do not mean that machines are generally better at predicting outcomes than human lawyers. These results show that if the question is defined precisely (such as – was this complaint about PPI mis-selling upheld or rejected by the FOS?), machines are able to compete with and sometimes outperform human lawyers.

Segundo a empresa, esses resultados não significam que as máquinas geralmente sejam melhores para prever resultados do que advogados humanos. Esses resultados mostram que, se a questão for definida com precisão, as máquinas podem competir e às vezes superarem os advogados humanos.

Assim, estamos falando de uma disputa de análise de dados. E claro que o computador consegue fazer isso melhor que o humano, porém esse software está longe de realmente superar e substituir advogados, trata-se aparentemente de um software de análise da big data.

E isso não pretende superar o advogado, em verdade é (já temos ferramentas de análise de big data do judiciário no Brasil) uma ferramenta para tornar o advogado (e porque não toda a justiça?) mais eficiente. Facilitando inclusive uma comparação mais precisa da própria jurisprudência (que não deixa de ser um big data).

Ferramentas como essas facilitarão a apreciação de casos, fornecendo inclusive gráficos para petições e decisões. Aliás, já tenho dito isso há algum tempo, veja aqui.

Essas notícias  apenas criam uma mística em cima de algo que é bom e que passam a ser tratadas como inimigos, afinal, “um software já supera 100 advogados”, não é?

Abraços!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *